Na semana em que presenciamos as primeiras mortes no Brasil em decorrência do Coronavírus, o seu efeito desestabilizador na economia, na vida das pessoas e nas organizações é um fato consumado.
Não há dúvidas que estamos vivendo uma crise sem precedentes, caracterizada por uma gravíssima ameaça, um cenário altamente complexo e incerto e com necessidades urgentes de ação.
Em meio a muita informação e desinformação é certo que não há soluções fáceis para essa crise e as organizações que não estiverem bem preparadas para gerenciá-la poderão sofrer danos seríssimos em termos de reputação e mesmo na continuidade dos negócios.
As dúvidas são: o que fazer, por onde e quando começar, quem envolver e até quando.
É claro que as medidas contingenciais dependerão do ramo de atividade da organização e das características de seu negócio. No entanto, algumas medidas são pertinentes à maioria das organizações e podem ser tomadas imediatamente para cuidar da saúde dos seus públicos e ao mesmo tempo buscar preservar seu negócio.
CUIDADOS REDOBRADOS DE HIGIENE E SAÚDE E TREINAMENTO DAS EQUIPES
É fundamental que toda empresa adote cuidados adicionais de limpeza e higienização de seu ambiente, protegendo a saúde dos funcionários, clientes e demais públicos que nela circulam.
Além do uso de produtos de limpeza adequados e equipamentos de proteção aos funcionários, a empresa deve estabelecer uma rotina de limpeza mais cuidadosa e frequente e treinar seus funcionários.
A não ser em instituições de saúde ou casos muito particulares, não há necessidade dos colaboradores usarem máscaras. Quem deve usar máscaras são pessoas doentes, pessoas com suspeita de doenças e profissionais de saúde.
Em breve haverá vacina de gripe disponível nas unidades de saúde, com prioridade para idosos e grupos de risco. As empresas devem avaliar a possibilidade de promover vacinação dos funcionários ou orientá-los a fazê-lo.
APOIO AO COLABORADOR
É de fundamental importância que a empresa disponibilize acesso fácil do colaborador a uma equipe médica e/ou serviço social de prontidão para esclarecer dúvidas e apoiá-los caso fiquem doentes.
Ter uma fonte segura de informações dá segurança ao colaborador neste momento em que tanta notícia falsa é compartilhada.
Estudos internacionais já demonstram que os funcionários confiam mais na informação que vem da organização onde trabalha em torno do tema do que no próprio governo e na mídia.
O funcionário precisa ter orientações claras de quando ficar em casa e quando procurar um hospital, em que casos será necessário fazer o teste do Coronavírus e onde fazer, além dos seus direitos trabalhistas no caso de isolamento forçado.
Se a empresa tiver plano de saúde, é importante esclarecer as coberturas, coparticipações e apoiar o colaborador, se necessário, em aprovações de exames e internações.
Funcionários com confirmação de infecção pelo Coronavírus devem ficar afastados do trabalho por 14 dias (no mínimo 10). Neste caso a empresa também deve avisar os colaboradores que tiveram contato com ele no trabalho e monitorá-los mais de perto, avaliando a possibilidade destes também ficarem afastados temporariamente do local de trabalho. Preservar a identidade dos colaboradores infectados é um aspecto importante que deve ser discutido, face à necessidade de divulgação do caso perante o grupo.
Se algum funcionário viajou ao exterior, independente do país, é recomendado que o funcionário fique em casa por no mínimo uma semana, independente de apresentar sintomas.
HOME OFFICE, HORÁRIO FLEXÍVEL E RODÍZIO DE COLABORADORES
Antes de adotar o home office indiscriminadamente é importante avaliar se os processos centrais da empresa estão garantidos. Para isso devem ser definidas quem são as pessoas essenciais que devem estar presencialmente nas unidades, para que a empresa continue operando.
Algumas empresas estão afastando preventivamente pessoas que viajaram ao exterior no último mês, pessoas acima dos 60 anos, gestantes e pessoas com cardiopatias, problemas respiratórios, em tratamento quimioterápico, que passaram por cirurgia recente, ou qualquer outra condição frágil de saúde preexistente.
Além destes casos, a recomendação das organizações públicas de saúde é para que todos os colaboradores que manifestaram qualquer sintoma de resfriado ou gripe também fiquem em quarentena em casa, preventivamente, porque é muito difícil diferenciar quem está com um resfriado comum de quem pode estar com o Coronavírus.
Colaboradores com filhos até 12 anos em casa por causa de fechamento das escolas também podem ter preferência para o home office. Recomenda-se que os funcionários não deixem as crianças aos cuidados de idosos para trabalhar, por estes estarem no grupo de maior risco.
Para que o funcionário trabalhe de sua casa, a empresa precisa prover condições mínimas como um celular corporativo e notebook da empresa. Além de disponibilizar canais de comunicação de suporte para teleconferências, por exemplo.
Estabelecer um horário limite para que o colaborador trabalhe de casa também é fundamental, para evitar futuros problemas trabalhistas.
Outra medida possível é adotar horários flexíveis nas unidades, para que os funcionários que precisam deslocar-se ao trabalho não precisem pegar o transporte público em horários de pico. O taxi e outras formas de transporte individuais também são recomendados para colaboradores considerados essenciais.
Uma outra possibilidade que está sendo adotada por muitas empresas é o rodízio de funcionários nos departamentos, para que não exista tanta aglomeração de pessoas no mesmo horário nos espaços. Sugere-se procurar manter distância mínima de 1m, o que significa também uma pessoa de cada vez nos elevadores. Além, é claro, dos cuidados básicos de não segurar as mãos, abraçar ou beijar os colegas.
É prudente que essas medidas se mantenham por 60 dias, dentro da possibilidade de cada empresa e de acordo com a necessidade mediante a evolução dos cenários.
Aconselha-se ainda que o departamento jurídico valide todas essas medidas contingenciais.
REUNIÕES, VIAGENS E EVENTOS
As reuniões presenciais só devem ser mantidas se estritamente necessárias e com poucos participantes. Para reuniões remotas a empresa deve prover recursos para tele e videoconferências.
As viagens devem ser evitadas pelos próximos 90 dias. Principalmente as internacionais, por serem mais longas.
Se for imprescindível viajar para fora do país é recomendável o uso de luvas descartáveis.
Se a empresa tiver algum evento interno ou para clientes programado, é recomendado que seja cancelado, para evitar aglomerações de pessoas. Além da segurança dos envolvidos também está em jogo a imagem da empresa perante seus públicos.
PROCESSOS CENTRAIS E CONTINUIDADE DO NEGÓCIO
Cada setor e tipo de empresa terá que identificar o que é fundamental para seu negócio não parar.
Se a empresa não tiver processos previamente definidos de Continuidade de Negócio, com planos acionáveis, é fundamental que estabeleçam imediatamente planos contingenciais ao menos para os processos chave e sistemas essenciais.
Além disso, é importante conversar com seus fornecedores sobre o que eles estão fazendo para garantir o abastecimento que você necessita para suas operações serem mantidas.
VERBAS EMERGENCIAIS
Certamente haverá necessidade de dispor de recursos não previstos para todas estas adaptações que a empresa precisa fazer.
Além de buscar prover verbas adicionais, a empresa precisa liberar exceções em seus procedimentos internos para agilizar a aprovação desses recursos emergenciais.
COMITÊ DE CRISE, CENÁRIO E REVISÃO SISTEMÁTICA DOS PROTOCOLOS
Para lidar com toda esta complexa situação é fundamental ter um comitê de crise constituído, com pessoas treinadas e de prontidão, cada uma com seu papel definido.
Um líder deve tomar as decisões mais estratégicas, que envolvam por exemplo investimentos de grande monta ou interrupções sérias no negócio.
Também é papel da liderança dar o exemplo às equipes por meio de suas falas e atitudes.
Esta equipe precisa ter fontes de informação confiáveis para monitoramento da situação e de seu agravamento.
Recomenda-se reuniões sistemáticas (neste momento diárias) para reavaliação dos cenários da crise, reclassificação de criticidades nos diversos campos envolvidos, dos riscos eminentes, das atitudes a tomar em diante.
A revisão sistemática dos cenários e protocolos deve acontecer até que exista a completa recuperação da normalidade.
COMUNICAÇÃO, MENSAGENS-CHAVE, PORTA VOZES
Como vimos até aqui, a comunicação com funcionários, clientes e demais públicos em torno da organização precisa ser constante e muito assertiva durante esse período de crise.
As pessoas precisam compreender que a empresa está consciente dos riscos em torno do Coronavírus, se preocupa com elas e está fazendo tudo que está a seu alcance para minimizar problemas.
Recomenda-se o uso de comunicações bastante visuais, fáceis de entender e acessíveis a todos os colaboradores.
Para isso é fundamental estabelecer canais de comunicação diretos e rápidos com todos os seus públicos, de maneira a trocar informações em tempo real, de maneira interativa. Uma possibilidade é a utilização de aplicativos de comunicação já conhecidos e também aplicativos específicos para gerenciamento de crises para organizações, lançados recentemente no mercado brasileiro.
Como haverá muitos comunicados a serem feitos, para diversos públicos, é possível adiantar a elaboração e aprovação da linha de comunicação a ser adotada nestes comunicados.
Além disso, é importante que sejam escolhidos e treinados porta vozes da empresa. Estes responderão a eventuais questionamentos da imprensa e também darão voz a manifestações espontâneas em torno do tema. Um exemplo é a divulgação de vídeos nas redes sociais, falando sobre o que a empresa está fazendo diante deste cenário de crise.
RECUPERAÇÃO E APRENDIZADOS
Com todas estas medidas espera-se que os efeitos negativos da pandemia sejam minimizados e a empresa possa retomar mais rapidamente e com menos danos a normalidade de seus negócios.
Muitos aprendizados também ficarão para desafios futuros que sua empresa venha a enfrentar. Alguns deles: não ignorar os riscos, manter a calma, agir com responsabilidade e priorizar a coletividade.
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Estas recomendações foram baseadas em informações oficiais de órgãos públicos e por meio de benchmark com organizações brasileiras de diversos setores até o dia 15.03.2020 por Ana Flavia Bello. Conforme a evolução dos desdobramentos da pandemia, é possível que sejam adequadas novas orientações.
Executiva de Comunicação com 30 anos de mercado em posições de liderança em empresas como Coca-Cola FEMSA, VIVO, O Boticário e outras. Mestre em Administração Estratégica e Especialista em Gestão de Crises. Sócia-fundadora Alerta de Crise.